domingo, 26 de fevereiro de 2006

Carnaval: promessa de vida no meu coração.








Quase cinco horas da manhã e segue a correria dos organizadores das alas das outras escolas de samba. Arruma ali, organiza acolá… Uma fantasia que cai, a bateria que se ajeita. Enquanto isso, descansávamos esperando nossa hora… O atraso ajuda-nos a perceber melhor toda a dinâmica. Um pouco de água, conversa e muitos, mas muitos sorrisos. Havia uma cumplicidade no olhar, um desejo de fazer o melhor, enviar uma energia boa…

Cinco e meia: começamos a nos organizar na concentração. Uma longa caminhada até o local. O sol já aparece, devagar. Engraçado: à medida em que caminhamos rumo ao local, somos possuídos por uma espécie de emponderamento; nos sentimos fortes, prontos para a guerra de alegria e paz. Talvez essa seja a melhor imagem que tenho pra definir o que sentia: nos preparávamos para uma guerra e íamos defender algo que pra nós era vital. A sirene é o sinal do início do processo.

Seis e quinze: os intérpretes começam o esquenta.
“Bixiga hoje é só arranha-céu/já não se vê mais a luz da lua/mais a Vai Vai tá firme no pedaço/é tradição e o samba continua”.

O coração bate acelerado, a mão sua, os integrantes se abraçam desejando um bom desfile. Muito mágico, muita mágica no ar. E choramos com o choro do cavaquinho. A voz do intérprete, o som da bateria que explode e o grito emocionado dos passistas, tudo ao mesmo tempo, elevam a alma de qualquer pessoa... O desfile começava ali, naquele momento.

Dançava feito menino embalado pela imagem do sol que acabava de nascer e pela energia que a arquibancada nos passava. As cores, os passos ensaiados, a coreografia espontânea daqueles que curtiam o carnaval trabalhando, se harmonizavam num mosaico nem sempre tão técnico, mas sempre muito belo.

E chamávamos ao som do samba enredo a multidão que ali estava: “vem, vem meu amor, nesse balanço eu vou/amor eu vou/vem navegar nas ondas desse mar/vai vai nos levará, a viajar”. E a multidão respondia… E eu me arrepiava, pulava, sorria, gritava. Uma catarse pura revestida de alegria e emoção à flor da pele.

O breque da bateria me empolgava. O balé do mestre-sala e da porta-bandeira – que dançavam na minha frente – me empolgava. A memória daqueles que são, de fato, da comunidade, me empolgava. Tudo era contagiante…

E automaticamente lembrei-me de inúmeras pessoas que também estavam ali de alguma forma. Um filme passava em minha cabeça. Nele misturavam-se as lembranças de uma família carnavalesca em Barras e meu desejo infantil de um dia desfilar. Tudo isso era potencializado ali. E eu me acabava só de pensar.

A brisa matinal acariciava nosso corpo já cansado. O samba materializado no desenho do carnavalesco marcava-me, profundamente. Uma ópera popular em céu aberto com a assinatura da felicidade. Era isso: a afirmação expressa da marchinha da Vai Vai que diz, “Quem nunca viu venha ver, quem nunca viu o samba amanhecer…”. E amanhecia, lindamente. E deus parecia sorrir, como disse alguém esses dias.

Terminado o desfile, comemorávamos nos abraçando, alegres por ter feito parte desse momento único, absolutamente especial.

E ficou a sensação (melhor dizendo, a certeza) de que o carnaval é re-existência mais que resistência; é “beleza da força da beleza da força da beleza”; “é a confirmação da promessa que diz que haverá esperança enquanto houver um canto mais feliz”; é a expressão maior da antropofagia libertária brasileira, tão mágica e tão bela e tão forte e tão…. como só ela.

E a sensação de que era a primeira de inúmeras vezes. Quem me conhece acredita!

4 comentários:

Anônimo disse...

Grande Marquinhos! Só estou um pouco desaparecido... mai nada! Espero que esteja tudo bem com voce e as saudades são muitto grandes. Quando ao Carnaval... só vi o último desfile, o do beija flor :P gostei mas tive pena de ter perdido os outros... um abraço do tamanho do oceano

cris disse...

mas tu desfilaste mesmo no sambódromo famosão?? nesse caso, devo ter-te visto, pq o desfile deu em directo na TV portuguesa. Qual a tua escola?

Grande Marquinhos. Bjão.

Anônimo disse...

Foi um grande prazer ler a tua descrição do Carnaval. Está escrito com tanto pormenor e emoção que é quase como se eu chegasse a sentir aquilo que viveste lá no desfile. Fantástico!

Anônimo disse...

...it seems like years since you've been here...
[Nina Simone, para cantar minha saudade em abraço de longe!]